16 de jun. de 2016

Resiliência

- Hoje em dia esse povo tem mania de romantizar tudo. No meu tempo não era assim não viu, meu fi? E quando não é romantizado fingem que é e dizem que é, teimam. Vê lá se alguém lia Lolita, isso é por acaso livro de gente de bem? E quem lê ainda diz que tá romantizando pedofilia, nada, aquela safada daquela menina já sabia bem o que queria, e queria sexo. Hoje em dia também não pode dizer sexo né? É “fazer amor”. Falando em fazer amor, vai lá fazer um cafezinho pro vô.
Eu fui.
Coitado do meu avô, a ignorância veio com a idade e já lhe bate a porta.
Não, vô, no tempo do senhor não era assim mesmo, mal se falava em tanto horror, não tinha como circular as notícias. Eu sei vô, a vizinha te contou que a sobrinha da vizinha da amiga da irmã dela morreu atropelada, e isso foi horrendo, mas o senhor já ligou a TV? Outro dia mesmo 50 mortos e 53 feridos lá nos Estados Unidos, por causa de preconceito, o senhor acredita? Acharam que não era certo ser daquele jeito X e mataram. Que jeito? Ah, eles são homens que amam homens, e mulheres que amam mulheres. O assassino falou que mulheres devem amar homens e vice versa, daí meteu bala. E teve também aquela menina, que gostava de “fazer amor”, dessa vez ela não quis, mas ela fez. Ah ela tentou fugir vô, mas o senhor sabe como é, ela tava pedindo. Lógico, vai pra favela, o que mais iria querer? Quem quer dançar e se divertir não vai pra festa não, quem vai pra essas festas quer sexo. Aí acabou como quis, fazendo amor com 33 homens. Bom, pelo menos eram homens, não mulheres. Mas eu acho que o problema mesmo, vô, é deixar animal selvagem “sóbrio” dentro da jaula. Onde já se viu não dopar um monstro daqueles? Aí o casal sai pra um passeio em família e o que acontece? Acaba com o filho morto porque distraíram um minutinho. Tem que matar o bicho mesmo, pra servir de exemplo pros outros. Claro que é castigo, eles jamais pensariam em querer morrer ao invés de ficar em uma jaula estreita e de concreto não é mesmo?
Sabe, vô, eu acho que o senhor tá certo. As pessoas não podem romantizar as coisas pra fugir da realidade, o tempo de poesia já era, ficou no século passado. Hoje em dia tem que encarar os fatos, aceitar o mundo como é, ou fingir que não é e seguir em frente, marchando, suspirando e seguindo a canção. Afinal, somos todos iguais, não é mesmo? Braços dados ou não, somos todos iguais, vô. Então pra que dar os braços afinal?
- Aqui vô, seu café.
- Obrigado, criança.

Coitada de mim, a idade mal chegou e com ela vieram o medo, a decepção, o desgosto e a desesperança.

11 de mar. de 2016

Surrealismo utópico

Outro dia me perguntaram se por causa dessa - maldita - distância entre nós, não seria pior se tu me quisesses tanto quanto te quero, me disseram que sofreriamos. Quem dera sofrer.
Uma semana por ano é tudo o que tenho contigo, e cada meia hora que passa e eu não estou ao lado teu, é mais uma eternidade nessa minha função exponencial. Mas eu te juro, meu amor, que se apenas nessa uma semana eu te tivesse, e ainda assim não fosses exclusivamente meu, a minha felicidade seria tamanha que mal caberia nesse minúsculo ser que sou.
O problema é que eu sou mais platônica, emocional e tu estás mais pra racional, carnal.
Eu sou romantismo, tu és realismo, eu sou cubismo e tu renascentismo, eu arte contemporânea e tu pontilhismo, eu tô pra barroco e tu pra trovadorismo. E sabes qual a graça de tudo isso? A existência de uma arte sempre dependeu e dependerá da existência de outra, não importa quão contrastante sejam.
Existem vários tipos de arte, escolha uma, vamos nos contrastar, coexistir, completar.

27 de jan. de 2016

Anemia amorpriva

- O que te traz aqui?
- Acho que estou doente, doutor
- Quais os sintomas?
- Meus olhos estão inchados
- Pode ser conjuntivite
- Acho que perdi muito peso também
- Vou te passar uns exames
- A minha cabeça lateja
- Algo mais?
- Por vezes me sinto tonta, e aí me vem um enjôo de súbito, e de súbito se vai
- Prossiga
- Suor constante, acompanhado de febre
- Ah, querida! Isso é deficiência!
- De ferro, doutor?
- De amor

Finge dor

Tão longe e distante
Tão perto e acalmante
Um baita de um fingidor
Finge tanto que chega a ser dor
Por vezes, finge ser amor
Tão perto e acalmante
No entanto, longe e distante
Um baita de um amor
Ama tanto que chega a causar dor
Por vezes, finge ser fingidor
O que fazer? O que pensar?
Sei apenas sentir, falta
Sinto sua falta.

Nós entre nós

Se alguma vez pensou em mim
Ou talvez quando me viu
Se viu mais que feliz
Pode ser que haja
Algo entre nós
Nos nossos
Nós

16 de jan. de 2016

Mais que quilômetros

Você parece almejar meu desprezo, gasta todas as suas oportunidades de me ter - ainda mais - tentando me perder, repele-me como um inseto, você tenta, mas eu vejo. Suas tentativas, falhas, não ofuscam os seus indícios de me querer por perto, querer a minha atenção, o meu "eu" que há tempos conheceu e há pouco - quase - perdeu.
Veja bem, meu bem, como poderia eu te desprezar? O que há de tão desprezível em você que insiste em querer me mostrar? Da onde eu seria capaz de buscar forças para desistir se tudo o que minhas forças são capaz de fazer é insistir? Por que age assim? Você sabe que precisa de mim, e sabe que preciso de ti, de forma imensurável, sabe que sou dependente, inconsequente.
O seu "eu" é parte da minha essência, eu não seria capaz de te deixar ir, e sei que você também, mesmo que - bem - lá no fundo não quer me ver ir. No entanto, está distante. Por quê? Conte-me seus receios, eu tomarei-os para mim, mas não fique assim, não insista em ir para longe de mim.